Emilio Martínez
Na Bolívia, o governo do Movimento Ao Socialismo (MAS) utilizou amplamente uma suposta tentativa de levantamento armado ou auto-defesa em Santa Cruz de la Sierra para estigmatizar a oposição política e diversos setores da sociedade. Agora, o regime do coronel Hugo Chávez parece estar implementando o mesmo método para a perseguição de seus críticos, como no caso do engenheiro Alejandro Peña Esclusa, dirigente social-cristão que denuncia desde 1997 os vínculos do mandatário boliviano com as FARC.
Em 16 de abril de 2009, uma operação da Polícia boliviana, ordenada por Evo Morales, abateu a tiros no Hotel Las Américas o húngaro-boliviano Eduardo Rozsa Flores, o irlandês Michael Dwyer e o romeno Árpad Magyarosi. Também foi capturado o boliviano-croata Mario Tadic e o húngaro Elod Toaso, presos até o dia de hoje na Penitenciária de San Pedro.
Embora a versão oficial tenha falado de um enfrentamento com os “terroristas”, uma perícia realizada pelos experts húngaros demonstrou que os corpos apresentavam feridas de bala nas costas e outras com trajetória vertical, o que indicaria uma execução. Da mesma forma, empregados do hotel asseguram não ter encontrado marcas de disparos para as portas por onde entraram os efetivos policiais, senão que unicamente em direção aos corpos abatidos.
A investigação posterior desenvolvida na Bolívia, em meio de freqüentes denúncias de manipulação governamental da Justiça, não parece reunir as garantias de transparência nem do devido processo. A testemunha estrela do caso, Ignacio Villa Vargas, cognome “El Viejo”, um infiltrado do Ministério de Governo no provável grupo irregular liderado por Rozsa, fugiu do país e em uma conversa telefônica com o deputado Wilfredo Añez – gravada por este último –, revelou que o caso foi todo montado pelo irmão do vice-presidente, Raúl García Linera.
O affair Rozsa também gerou o protesto das chancelarias da Irlanda e da Hungria, e os representantes irlandeses o estão levando ante o Parlamento Europeu e o Tribunal de Haya. Neste contexto, onde parecem haver implicados tanto da oposição quanto do governo, a única possibilidade de encontrar a verdade seria uma investigação internacional.
Recentemente, o governo venezuelano deteve Alejandro Peña Esclusa, líder opositor presidente de Fuerza Solidaria e cabeça da União de Organizações Democráticas da América (UnoAmérica), federação de ONGs latino-americanas anti-chavistas. A operação do serviço de inteligência (SEBIN) foi realizada com a desculpa de uma pretendida vinculação entre Peña Esclusa com o salvadorenho Francisco Sánchez Abarca, segundo o regime, associado ao anti-castrista Posada Carriles.
Do mesmo modo que no caso Rozsa, o suposto móvel dos “conspiradores” venezuelanos seria o “magnicídio”, denúncia que na Bolívia não conseguiu sustentação e foi sendo substituída gradualmente pela de “separatismo”.
Está sendo usado claramente um método similar ao aplicado na Bolívia, como “know how” para a estigmatização de opositores. Adicionalmente, o governo de Chávez pretende implicar Peña Esclusa com o caso boliviano, aduzindo que representantes de UnoAmérica haviam tido contato com Eduardo Rozsa Flores. O certo é que os delegados dessa federação de ONGs estiveram presentes no país em março de 2009, como parte de uma comissão investigadora que tinha o propósito de relevar a denominada “matança de El Porvenir”, no estado de Pando. O objetivo era elucidar aspectos do conflito violento que teve lugar nessa localidade do norte boliviano, não registrados pela missão da UNASUL, encabeçada pelo ex-guerrilheiro do ERP argentino Rodolfo Mattarollo.
Meios de comunicação próximos à Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA) e ao Foro de São Paulo, têm tentado sugerir algum tipo de contato entre um dos integrantes de tal delegação, o argentino Jorge Mones Ruiz, com Eduardo Rozsa Flores. O certo é que Mones Ruiz se fez presente em Santa Cruz como parte da mencionada comissão, mantendo entrevistas com refugiados do estado de Pando nessa cidade. Sua condição de militar aposentado, vinculado há duas décadas ao último motim “cara-pintada” sucedido no governo de Carlos Saúl Menen, o tornou alvo de críticas e acusações infundadas.
No caso boliviano, o julgamento dos que participaram da tentativa de conformação de uma auto-defesa regional é sem dúvida parte das obrigações legais da Justiça, porém a investigação deve incluir também os altos funcionários do governo. Na citada detenção da Venezuela a perseguição é completamente injustificada, tendo em conta a impecável trajetória democrática e institucionalista de Alejandro Peña Esclusa. Uma vez mais, uma investigação internacional e imparcial se impõe como única modalidade possível de esclarecimento da verdade, a menos que se queira legitimar o “método Rozsa” como procedimento para a perseguição e anulação sistemática de opositores.
Tradução: Graça Salgueiro
O Autor é Escritor e jornalista, autor do livro “La masacre del Hotel Las Américas”.
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